O crime compensa
É preciso registrar que a histórica decisão de Marcus Vinícius bateu o recorde de tempo de interdição do governo Max Mauro. Há mais de 25 anos, o então governador conseguiu manter as operações da Ponta de Tubarão paradas por 24 horas. Desta vez foram quase 100 horas.
Recorde à parte, chama atenção os argumentos usados por Teitel para derrubar a decisão do colega. Sem rodeios, o juiz federal se convenceu que a questão econômica é mais urgente que a saúde dos moradores da Grande Vitória que são vitimizados diariamente pelo pó preto que polui o ar e o mar.
Não por acaso, a defesa da Vale se escorou nas questões econômicas para justificar que as operações comerciais da mineradora não poderiam ser paralisadas por argumentos subjetivos que a acusam de crime ambiental. Para “sensibilizar” o magistrado, a mineradora superestimou os impactos que a medida causaria às economias de Vitória, do Espírito Santo e até do País. Para aumentar a pressão, entrou em jogo o emprego dos milhares de trabalhadores, que estariam ameaçados caso a interdição prevalecesse.
O juiz federal Vigdor Teitel balançou. “Embora inadmissível o convívio com ações empresariais que repercutam potencial poluição danosa, é também necessário realizar uma ponderação de interesses em razão da delicada crise econômica vivenciada pelo país, de modo a se preferir medidas que simultaneamente possam atender as melhores e mais saudáveis condições ambientais e manter os níveis de empregabilidade e estruturação financeira do Estado e dos particulares”.
Em seguida, o juiz tentou justificar nas entrelinhas que a liberação das atividades não deveria ser interpretada como um estímulo à impunidade. Vigdor Teitel determinou que a empresa faça a contenção do pó preto no mar e ar em 60 dias.
Ora, data venia à decisão do excelentíssimo juiz, as medidas são um verdadeiro açoite à boa-fé do cidadão que inala todos os dias o pó preto da Vale/Arcelor.
As empresas operam há décadas em Tubarão e nunca se preocuparam com a saúde da população e tampouco com o meio ambiente. Na peça de defesa da Vale, assim como no discurso institucional que a empresa faz de cor e salteado sobre o tema responsabilidade ambiental, fica claro que a mineradora não se considera responsável pelo pó preto. Aswind fences (barreiras de vento) são destacadas pela empresa como última palavra em tecnologia para conter o pó preto. A Vale sempre faz questão de enfatizar que tudo que a empresa poderia (ou deveria) fazer para mitigar os efeitos danosos de suas operações já é feito.
Nem os mais otimistas devem ter acreditado que a empresa, no prazo de 60 dias, cumprirá as medidas judiciais para deter o pó preto. O próprio juiz deve duvidar que sua decisão será cumprida.
O histórico poluidor das empresas e a relação promíscua com o poder público (governos, prefeitos, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Assembleia e companhia), que sempre deu guarida aos crimes ambientais das empresas, estimulando a impunidade, só aumentam essa desconfiança na decisão do magistrado federal.
A propósito, a decisão de Vigdor Teitel, além de desacreditada, deixa uma controvérsia no ar. O juiz admite que a empresa cometeu um crime ambiental, mas pondera que a decisão do colega, que determinou a interdição, é exagerada porque causa danos à saúde financeira do município, Estado e mesmo do País, sem falar os prejuízos à própria mineradora, é claro.
Ao liberar as operações em Tubarão, o magistrado permite que a Vale, em nome da saúde financeira das atividades da empresa, siga cometendo um crime que põe em risco a vida dos seres humanos, sem falar nos danos ambientais. Ou seja, a questão financeira compensa o crime.